Apesar do incrível sucesso de bilheteria de "Drácula" ( ver capítulo anterior), a Universal Pictures continuava tendo sérios problemas financeiros. A solução parecia ser procurar outro monstro clássico da literatura para adaptar. Entre cortes e remendos foi sendo construído...Frankenstein !
Frankenstein e sua criação monstruosa nasceram em 1816 na imaginação de uma jovem britânica de 18 anos chamada Mary Shelley (Mary Wollstonecraft Shelley, 1797-1851).
Durante umas férias na Suíça, Mary e seu esposo, o poeta Percy Shelley descobriram que eram vizinhos do famoso poeta romântico Lorde Byron. Para ajudar a passar o tempo no lugar idílico, Byron sugeriu uma disputa para ver quem escreveria a mais assustadora história de fantasmas. Depois de um pesadelo, Mary concebeu a história, que foi publicada anonimamente dois anos depois, como "Frankenstein: or, The Modern Prometheus". A primeira edição foi em três volumes e somente 500 cópias impressas.
Apesar das críticas desfavoráveis, a edição teve um sucesso de público quase imediato. Foi traduzida para o francês, e ficou bastante conhecida, principalmente através de adaptações para o teatro. A primeira versão do livro para as telas foi realizada pela Thomas Edison Company em 1910...
"Frankenstein" de J. Searle Dawney, mostrava o jovem estudante de medicina Frankenstein (Augustus Phillips) pesquisando o 'mistério da vida', e produzindo uma criatura (Charles Ogle) dentro de um caldeirão de produtos químicos...
O Frankenstein que não aconteceu.
Convidado pela Universal para desenvolver um novo projeto de terror, o roteirista/diretor Robert Florey ( Robert Fuchs,1900-1979, nascido na França) trabalhou com o departamento de roteiros do estúdio para levar Frankenstein para as telas. O astro do terror era Bela Lugosi, então ele foi escalado para viver a criatura monstruosa.
Florey dirigiu 20 minutos de testes com Lugosi usando uma primeira concepção de maquiagem criada pelo chefe do departamento Jack Pierce. Carl Laemmle Jr. não gostou do resultado, e Florey foi movido para outro projeto, entrando no seu lugar, *James Whale ...
O novo roteiro escrito por Garret Fort e F.E. Faragoh (adaptado de duas versões teatrais diferentes) não tinha nenhum diálogo para o personagem da criatura, então, foi a vez de Lugosi pular fora do barco. Procurando por outro performance, James Whale prestou a atenção em um esforçado e expressivo ator inglês que já havia feito mais de 80 filmes, mas não era muito conhecido: William Henry Pratt, que usava o nome artístico *Boris Karloff...
"Frankenstein" (1931) de James Whale
Usando a energia de um relâmpago para animar um ser construído com partes de cadáveres roubados do cemitério, ele tem sucesso.
A criatura (Boris Karloff) parece dócil, e com um cérebro infantil, mas quando se assusta com uma tocha carregada por Fritz, seu desespero é confundido com agressão, e ele é trancado na masmorra, onde é torturado pelo corcunda.
Dotada de imensa força, a criatura mata seu agressor, escapa e provoca outras mortes- uma delas acidental...
A Criatura encontra a pequena Maria, brincando de jogar flores no lago. A menina não tem medo do monstro e o convida para brincar. Inocentemente, ele acaba jogando-a no lago, como uma flor. E ela se afoga. A cena depois de algumas exibições foi considerada muito agressiva, e parcialmente cortada no negativo pela própria Universal. A cena só seria restaurada nos anos 1980...
...o confronto entre criador e criatura é inevitável.
Lançado em novembro de 1931, a produção foi um sucesso comercial e bem recebida pela crítica e pelo público (rendendo duas vezes mais que "Drácula"), mas teve problemas com a censura da época, e foi proibida em alguns países (como Irlanda e China). O filme teve um impacto significativo na cultura popular: a imagem do cientista louco, com um assistente corcunda e a representação do monstro de Frankenstein no filme se tornaram icônicas desde então.
A fantástica maquiagem da criatura ficou a cargo de Jack Pierce, que precisava de quatro horas diárias para realizar seu trabalho, e Karloff preso debaixo dela, tinha que usar seus olhos, boca e mãos para expressar os sentimentos e reações conflitantes da torturada criatura...
Outro destaque técnico foi a cenografia do laboratório do cientista, com máquinas elétricas com grandes alavancas, enormes eletrodos e transformadores de energia. O laboratório foi criado e operado pelos técnicos Kenneth Strickfaden, Frank Grove e Raymond Lindsay, e foi reutilizado em diversos filmes e seriados de terror e sci-fi.
Assim como a adaptação de "Drácula", a versão para o cinema da obra de Mary Shelley (igualmente, tomou diversas liberdades em relação ao original, e acabou gerando
Através dos anos 1930, o Monstro de Frankenstein foi caricaturado em diversos cartoons ,aparecendo com Mickey Mouse, Porky Pig, e outros personagens infantis...
... comédias e musicais, mas, a Universal esperou quatro anos para reunir o mesmo time vitorioso para realizar...
" Bride of Frankenstein" (A Noiva de Frankenstein, 1935) de James Whale.
Finalmente convencido pela Universal a fazer uma sequência para seu "Frankenstein", o diretor Whale criou uma obra superior à original, contando com um orçamento alto, excelente fotografia, ótima trilha sonora, elenco afiado, e um roteiro inventivo. Co-escrito por John L. Balderston, em tom de sátira-humor negro, também aproveita para resgatar alguns elementos importantes do romance que haviam ficado de fora do primeiro filme- como o monstro aprendendo a falar, e depois exigindo uma companheira...
A criatura (Boris Karloff) sobrevive ao incêndio do moinho em que foi acurralada no final do primeiro filme, faz amizade com um velho cego, e aprende a falar, beber e fumar!
Enquanto isso, Henry Frankenstein (Colin Clive) tenta abandonar seus planos de criar vida, apenas para ser tentado e finalmente chantageado por seu antigo mentor, o lunático Dr. Pretorius (Ernest Thesiger, 1879-1961) para construir uma fêmea para o Monstro...
Elsa Lanchester (1902-1986) aparece como a escritora Mary Shelley (durante a sequência de abertura)...
... e depois como a personagem título, que renega seu pretenso noivo- 'Ela me odeia! Como os outros'...
Do elenco original também retorna o expressivo Dwight Frye, no papel de Karl, o perturbado assistente de Pretorius; e a make-up especial é novamente de Jack Pierce. Agora Pierce modifica um pouco o design original do monstro, para incluir as cicatrizes de queimaduras provocadas pelo incêndio, e cria outra figura icônica (com sugestões do diretor Whale): a Noiva do Monstro com seu cabelo inspirado na Rainha Nefertiti...
Após o lançamento de "Dracula's Daughter" em maio de 1936, e a saída de Laemmle pai & filho da produtora, todos os filmes de terror foram retirados do cronograma de produção da Universal Pictures.
Depois do enorme sucesso do relançamento de "Drácula "& "Frankenstein" em programas duplos (às vezes triplos ) nos cinemas americanos, foi desengavetado um projeto chamado "After Frankenstein", que reescrito se tornou...
"Son of Frankenstein" (O Filho de Frankenstein, 1939) de Rowland V. Lee
A princípio apavorado, mas depois fascinado, Wolf decide reviver a criatura (Boris Karloff). Ele então fica horrorizado ao descobrir que Ygor está enviando o monstro para matar os jurados que o condenaram à forca. O filho de Frankenstein é acusado de ter criado um monstro assassino semelhante ao de seu pai, mas ele sabe que Ygor é o responsável pelos crimes. O monstro rapta o filho pequeno de Wolf, e uma luta final acontece no laboratório do castelo...
Terceira e última vez que Boris Karloff (então com 51 anos) viveu a criatura, agora uma 'máquina assassina' comandada pelo seu novo 'amigo', o corcunda vingativo Ygor- Lugosi em uma grande performance.
Destaque também para Lionel Atwill (1885-1946) como Krogh, o inspetor da polícia local, que usa um braço artificial porque a criatura de Frankenstein arrancou seu braço real quando ele era criança.
Na década de 1940, a 'grande era do horror' da Universal havia caído em um declínio devido aos cortes econômicos forçados durante a guerra, ao recrutamento de talentos criativos, e a consequente repetição nos enredos . Em vez de criatividade, a Universal começou a embaralhar seus monstros clássicos – Frankenstein, Drácula, o Homem Lobo, o Homem Invisível e a Múmia – em uma série de sequências e reuniões entre si e, eventualmente, em comédias.
Bastante genérico foi...
"The Ghost of Frankenstein" (A Alma de Frankenstein/ O Fantasma de Frankenstein, 1942) de Erle C. Kenton
Os aldeões decidem se livrar da ameaça e explodir o Castelo Frankenstein, mas isso acaba revivendo a criatura temida. O corcunda Ygor (Bela Lugosi) leva o monstro (Lon Chaney Jr.) para a aldeia de Vasaria para encontrar o segundo filho de Frankenstein, Ludwig (Sir Cedric Hardwicke, 1893-1964), , que trabalha como psiquiatra.
Inspirado por uma visão do fantasma de seu pai (o próprio Hardwick), Ludwig decide que pode curar a criatura substituindo seu cérebro criminoso por um normal.
Enquanto Ludwig Frankenstein se prepara para transplantar o cérebro de um colega morto pelo monstro, Ygor convence o invejoso Dr. Bohmer (Lionel Atwill), assistente de Frankenstein- a transplantar o seu cérebro para que ele possa escapar de seu corpo aleijado.
A criatura agora fala com a voz de Ygor, mas a incompatibilidade sanguínea faz com que ele fique cego. Os aldeões invadem o castelo em busca de uma menina que o monstro raptou...
Elsa Frankenstein (Evelyn Ankers), seu pai Ludwig (Hardwicke), a Criatura (Lon Chaney Jr), e a garota Cloe (Ann Gallow), que tem uma conexão com o monstro antes dele receber o cérebro de Ygor.
O filme segue o enredo estabelecido em "Son of Frankenstein", agora com Chaney Jr. no lugar de Karloff, como uma Criatura meio zumbi, e trôpega. Lugosi parece se divertir novamente como Ygor, e o elenco conta ainda com Ralph Bellamy como o heroico Erik, namorado de Elsa Frankenstein (Evelyn Ankers), e uma ponta de *Dwight Frye como um aldeão.
YGOR-
'O corcunda condenado de pescoço quebrado bancando o ferreiro, que uma vez roubou corpos, 'eles disseram'; tão brilhantemente interpretado por Bela Lugosi, quase nunca é colocado no panteão dos Grandes Monstros.
Mas, quando se considera o papel de Ygor em "Son of Frankenstein" - ele é a força manipuladora motriz de todo o filme: é ele quem manipula Wolf von Frankenstein para reviver o monstro. É ele puxando todos os fios do controle, tanto no castelo, quanto na vila com os Burgomasters – ele é o verdadeiro vilão da história.
Como vale a pena repetir um bom elenco, o Ygor de Bela seguiu para "Ghost of Frankenstein", onde ele é igualmente manipulador e acaba “se tornando” o monstro no clímax- 'Eu, Ygor, viverei para sempre!!!' ...e o corcunda ficou eternizado...'
(https://universalmonstersuniverse.com/)
Foi a última vez na Universal, que o Monstro de Frankenstein estrelou/apavorou sozinho na tela. Logo ele teria a companhia constante das outras criaturas macabras famosas...
💀Dwight Frye (1899-1943) Um dos atores secundários mais conhecidos e amados dos anos de ouro do terror, foi com certeza o baixinho com olhos esbugalhados e sorriso louco... nascido Dwight Lliff Fry.
Dwight estudou música, mas começou sua carreira artística no teatro, quase sempre em comédias, assim como em seus primeiros filmes mudos. Tudo mudou quando foi escalado para viver o louco Renfield no "Drácula" de Tod Browning em 1931 .
Mais tarde naquele mesmo ano, ele interpretou o assistente corcunda Fritz em "Frankenstein" e um assassino na primeira versão cinematográfica de "The Maltese Falcon" de Dashiell Hammett . Ele teve um papel de destaque no filme de terror 'B'"The Vampire Bat" (1933, da Majestic Pictures, com Lionel Atwill), no qual interpretou Herman, um idiota suspeito de ser um assassino. Teve papéis de destaque, como o repórter em "O Homem Invisível" (1933), e um médico suspeito em "O Crime do Dr. Crespi" (1935).
Em "A Noiva de Frankenstein" (1935), ele interpretou outro assistente enlouquecido, Karl. Seu personagem tinha originalmente mais destaque, mas muitas cenas foram cortadas para encurtar o tempo de execução e apaziguar os censores. Ele interpretou personagens semelhantes em "O Fantasma of Frankenstein (1942) , "Frankenstein Meets the Wolf Man" (1943), e "Dead Man Walk" (1943, terror 'B' da PRC). Em 7 de novembro de 1943, Dwight Frye morreu de ataque cardíaco aos 44 anos enquanto viajava de ônibus em Hollywood , poucos dias antes de começar um novo filme...
💀Boris Karloff (William Henry Pratt, 1887-1969) ator britânico (com ascendência indiana) caçula de 9 irmãos de uma família de classe média. Em 1909, William deixou a faculdade em Londres, e viajou para o Canadá, onde fez diversos trabalhos braçais, até se interessar pelo teatro, quando passou a atuar usando o nome artístico de Boris Karloff.
Karloff estreou em Hollywood em 1919, e graças ao seu rosto marcante, foi escalado diversas vezes em papéis de árabe ou indígena. Ele foi coadjuvante em mais de 80 filmes de aventura, drama e policiais, até ser descoberto por James Whale e escalado para "Frankenstein" em 1931. O estrelato não chegou de imediato, e Karloff ainda fez outros pequenos papeis, mas depois de "The Mask of Fu-Manchu" (1932 , da MGM), e "A Múmia" (1932) da Universal, ele ficou ligado para sempre com o cinema de terror...
Apesar de seu nome ter virado sinônimo de 'Terror'& 'Monstro' (e sempre ter sido grato ao gênero), Karloff fez uma grande variedade de papeis em sua longa carreira no teatro, cinema, rádio, TV, discos, etc.
Artista entusiasmado e praticamente 'viciado' no trabalho, Karloff voltou diversas vezes aos palcos da Broadway, e sua carreira no cinema foi internacional, tendo atuado nos EUA, Inglaterra, Itália, Espanha e México.
Karloff e Bela Lugosi foram os grandes astros do terror na Universal, e apareceram juntos em oito filmes.
Apesar de não serem grandes amigos, a suposta rixa entre os dois 'monstros' só acontecia nas telas, mas foi propagada pela imprensa e servia para alimentar a publicidade dos filmes.
Boris Karloff trabalhou (muito) até seus últimos dias, quando diversos problemas de saúde foram agravados por uma pneumonia, e o veterano monstro das telas faleceu aos 81 anos em um hospital no interior da Inglaterra.
💀James Whale (1889-1957) Nascido na Inglaterra, Whale servia ao exército britânico na Primeira Grande Guerra, e durante o tempo em que foi prisioneiro dos alemães, descobriu seu talento para o teatro e drama. Depois do conflito, começou a dirigir, fazendo sucesso com a peça "Journey's End" (que falava da guerra), o que o levou a se mudar para os EUA, e realizar uma adaptação da mesma obra para o cinema (1930). Contratado pela Universal por cinco anos, escolheu dirigir a adaptação de "Frankenstein" (1931), que recebeu críticas elogiosas, e quebrou recordes de bilheteria nos Estados Unidos.
A seguir vieram "The Old Dark House" (A Casa Sinistra, 1932), e "The Invisible Man" (O Homem Invisível, 1933), também sucessos, e que mostravam o seu estilo, de combinar as influências expressionistas com doses de humor, grandes interpretações, e inovações técnicas. Whale dirigia filmes de vários gêneros, e temia ser rotulado como um diretor de terror, mas foi convencido por Carl Laemmle Jr. a assumir "A Noiva de Frankenstein" de 1935.
Considerado superior ao original, e um dos melhores filmes de Whale (e da Universal), "The Bride" foi seu último filme do gênero. Para os Laemmle, ele ainda faria o ambicioso musical "Show Boat" (1936), e com seu novo chefe, o produtor Charles R. Rogers ele teve diversos problemas, sendo designado então para uma série de filmes B sem importância. Seu último sucesso foi a aventura histórica "O Homem da Máscara de Ferro" (1939), e se aposentou da indústria do cinema em 1941, dedicando-se novamente ao teatro. Assumidamente gay em uma época que isso era tabu, Whale foi casado com o produtor David Lewis de 1930 a 1952, e abordou discretamente temas homossexuais em seus trabalhos, mais notadamente em "A Noiva de Frankenstein". Aposentado, Whale sofreu dois derrames em 1956, e foi diagnosticada uma depressão profunda. No fim de maio de 1957, ele se afogou na piscina de sua casa, deixando um bilhete de suicídio...
Em 1948, a Realart Pictures Inc. comprou os direitos de reedição da maior parte da biblioteca da Universal Pictures, que incluía seus filmes de monstros . A Realart relançou os filmes da Universal em programas duplos , com publicidade nova e mais chamativa (a Universal nunca era mencionada nos anúncios ou pôsteres). A maioria dos filmes foi relançada com seus títulos originais e conhecidos, enquanto outros (principalmente os filmes B) receberam títulos mais exploitation: "Man-Made Monster" tornou-se "The Atomic Monster" ; "O Mistério de Marie Roget" tornou-se "O Fantasma de Paris", etc. Como a então Universal-International não estava interessada no ciclo de terror, estes relançamentos da Realart permitiram que o público dos anos 1950 conhecessem os clássicos dos anos passados.
Curiosa adaptação em quadrinhos/fotonovela de "Son of Frankenstein" na revista "Movie Comics" # 1 (abril de 1939)
Boris 'Frankenstein' Karloff brinca com o comediante Buster Keaton durante uma apresentação ao vivo, em um jogo de baseball de caridade em 1940.
FONTES
-Arquivos do autor/Museu Coffin Souza
- - A Pictorial History of Horror Movies- Denis Gifford (Exeter Books, 1984)
- Horror Film Stars- Michael R. Pitts (McFarland Inc., 1991)
- The Overlook Film Encyclopedia: HORROR- Phil Hardy
(Overlook Press, 1993)
- Graven Images- Ronald V. Borst (Grove Press, 1992)
-The Illustrated Frankenstein Movie Guide- Stephen Jones (Titan Books, 1994)
🕸 WEB
- Wikipédia
-IMDB
-Letterboxed
-TMDB
-Moria Reviews- https://www.moriareviews.com/list/horror
-Zombo's Closet-